Dil
A viela encontrava-se invulgarmente cheia de gente, e foi só empurrando um brâmane à sua frente que conseguiu alcançar a barraca triangular feita de tábuas e encaixada contra um pilar. A velha estava sentada diante da barraca, com uma candeia oscilante à sua direita, um homem envolto num pano branco do outro lado, e o corpo de Dil à frente dela, parcialmente coberto por um pedaço de pano. No chão, uma tigela com alguns malmequeres e quatro moedas de cobre. As pessoas comprimiam-se num meio círculo à volta dela, escutando com gravidade a sua voz áspera e agastada.
Sentou-se na segunda fila - deixou-se cair com um gemido, como se as suas pernas tivessem sido cortadas debaixo dele - e sentiu uma intolerável dor expandido-se-lhe no coração. Já tinha visto tanta gente morta que não podia estar enganado: mas passado algum tempo a dura aceitação do que acabara de saber aclarou-lhe finalmente as ideias.
(...) Passado um momento levantou-se. O rosto de Dil estava infinitamente calmo; a hesitante chama da candeia por vezes fazia-a parecer sorrir misteriosamente, mas quando a luz se fixava mostrava um rosto tão isento de emoção como o mar: controlado e indiferente. Os braços dela mostravam marcas onde as pulseiras tinham sido arrancadas; mas essas marcas eram ligeiras: não tinha havido luta nem resistência desesperada.
Pegou nela e, seguido pela velha, por alguns amigos e pelo brâmane, levou-a a caminho da praia, com a cabeça apoiada no seu ombro. O dia nasceu quando entraram no bazar: já se encontravam três grupos na praia; junto à beira do mar calmo e para além dos vendedores de lenha.
Preces, lustração; cânticos, lustração; colocou-a sobre a pira funerária. Chamas pálidas à luz do sol, o intenso arranque do fogo na madeira de sândalo, e a coluna de fumo elevando-se, elevando-se suavemente com a chegada da brisa vinda do mar.
"... nunc et in hora mortis nostrae," repetiu ele uma vez mais, e sentiu a água tocar-lhe num pé. Levantou o olhar. As pessoas já tinham partido; a pira não era mais do que uma mancha escura com o mar apagando as brasas com um sibilo; e estava sozinho. A maré estava a encher rapidamente.
1 Comments:
Já algumas pessoas me perguntaram o que quer dizer "... nunc et in hora mortis nostrae,". É simples. É uma das linhas da oração da Avé Maria que em português corresponde a "... agora e na hora da nossa morte,". Espero que se sintam esclarecidos =]
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